terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Entendendo Prometheus:

De onde viemos? Quem nos criou? Responder essas perguntas aparentemente é o mote de Prometheus, nova empreitada de Ridley Scott, tida como uma "prequência" da franquia Alien. Mas basta ver 20 minutos do filme para entender que, apesar dessas questões estarem presentes durante toda a existência da humanidade, o foco principal não são as respostas que podem vir daí, mas sim os novos questionamentos que devemos levantar a respeito de nós mesmos, indivíduos e sociedade. E se tudo isso vier acompanhado de sequências de ação bem dosadas e um clima de nostalgia sci-fi com direito a uniformes apertados a bordo, melhor ainda.

A primeira cena de Prometheus já começa a levantar grandes questões. Um humanoide ultramusculoso, aparentemente em exílio num ainda inabitado Planeta Terra, sacrifica a própria vida tomando uma substância preta letal. Vemos que seu corpo cai em uma cachoeira e que esse contato foi o ponto de criação da vida humana por aqui. Impossível não se questionar: o ser era um desertor? O que fazia ali sozinho? Qual a importância da nave que aparece na cena? Sem nos deixar muito tempo para refletir, o roteiro já apresenta o futuro, quando o casal de cientistas Elizabeth Shaw (Noomi Rapace) e Charlie Holloway (Logan Marshall-Green) descobre alguns desenhos rupestres que formam uma espécie de mapa. A certeza de ambos é que essa é mais uma pista deixada pelos nossos criadores para que os encontremos. 

Tais fatos levam-nos ao ano de 2093, quando a nave Prometheus chega à lua LV-223 carregada com uma equipe de exploradores. Entre eles, está a própria Elizabeth e o marido, que encabeçam a procura pelos seres que eles chamam de “Engenheiros”. Há também a descrente Meredith (Charlize Theron), que chefia a missão com uma autoridade abusiva e cujo interesse supostamente está nos resultados financeiros – pois, como ela sempre diz, aquela “é uma nave comercial”. Finalmente, o outro grande tripulante é David, que... Bem, além de ser Michael Fassbender, é um androide que tem a responsabilidade de fazer a missão ser um sucesso. Naturalmente, as coisas não saem como o planejado e essa busca acaba resultando em perseguições alienígenas e mortes. 

A personagem interpretada por Rapace é a responsável pelo clima de dicotomia que predomina do filme, sempre num limite entre a crença e a ciência. Afinal, ela acredita que nós fomos concebidos por alienígenas, mas abre a possibilidade para que exista um Criador acima disso tudo. Em determinado momento, questionada se sua fé está abalada após a confirmação de que nós realmente viemos dos ETs, a cientista faz a inevitável pergunta: “mas e quem os criou?”. Colocar uma mulher da ciência que aposta mais no "crer pra ver" do que no "ver pra crer" certamente vai gerar muito borburinho entre os ateus, embora a ideia não seja pregar uma religião, mas sim sugerir uma explicação que una o científico e a fé. 

Analisando bem, Prometheus é inteiro uma obra sobre contradições, paradoxos e, ao mesmo tempo, consonância de opostos, para resumir. David é um robô que faz de tudo para parecer humano. Ele até busca inspiração no filme Lawrence na Arábia, imitando a entonação de voz do protagonista para transmitir mais emoção e inclusive pintando o cabelo de loiro para se parecer mais com Peter O’Toole. Já Meredith é tão fria que por vezes ficamos em dúvida se ela não é o verdadeiro robô da história. É o extremo da independência feminina, num nível que a torna uma cruel solteirona amargurada. 

Inspirado, mas não diretamente relacionado

O leitor já deve estar se perguntando o que tudo isso tem a ver com Alien. Pois a resposta é mais uma dubiedade: tudo e nada. O longa não é exatamente uma “prequência”, como vinha sendo ventilado pela imprensa. É uma outra proposta, com enfoque diferente, mas que traz referências e um clima de homenagem principalmente a Alien - O Oitavo Passageiro, de 1979. Estamos em um universo em que tudo é muito familiar. H.R. Giger, criador do design do alien original, está de volta, desta vez como consultor. A nave é muito parecida com aquela que conhecemos, mas com uma tecnologia mais contemporânea, assim como os objetos de cena, a exemplo das cápsulas. A estrutura de roteiro também é a mesma e os “clichês alienísticos” estão devidamente representados: a inspiradora mulher protagonista, o androide com intenções suspeitas e o representante negro (Idris Elba, o capitão) são alguns. E os alienígenas estão mais pegajosos do que nunca. 

Como dissemos no início, não é por ser um filme voltado às ideias que as sequências de ação e suspense são esquecidas. No final das contas, precisamos ser entretidos. Pão e circo! Há uma cena envolvendo um parto que é tão grotesca que chega a ser bonita. Temos ali a figura de uma grande mulher não aceitando o que alguns chamam de fado ou destino. Aliás, muito acertada a escolha de Noomi Raplace como protagonista. Ela, conhecida por ter protagonizado a versão sueca da sérieMillenium, passa uma fragilidade de início que logo vai sendo compensada não só pelas atitudes da personagem que ela representa tão bem, como por seu corpo com músculos bem-definidos. Falando em atores, não preciso nem dizer que Charlize, com sua voz imponente, está impecável, e que o alemão Fassbender dá uma humanidade tão calculada a seu personagem que, mesmo com as atitudes condenáveis que este possa vir a tomar, não tem como não torcer para que ele se dê bem. 



Mas, apesar de sua riqueza de conteúdo, certos fatores separam Prometheus da perfeição. Há personagens que nem citei o nome até agora porque ou só estão lá pra fazer número ou são simplesmente chatos. Tanto que quando alguns deles morrem, dá até vontade de felicitar os aliens responsáveis pelo ato. E Raplace, ainda que demonstre muita competência e tenha potencial para tornar Elizabeth em um símbolo nas próximas continuações, é desfavorecida na comparação com Sigourney Weaver e sua eterna Ellen Ripley. Não devíamos nos apegar a isso, pois é uma outra história, mas acaba sendo inevitável. Também fica impossível conceber que num longa que é um deslumbre técnico, com uma visual tão clean, derrape tanto numa coisa simples: a maquiagem para envelhecer Guy Pearce - sim, ele está no filme e vive o magnata Weyland, empregador de toda a tripulação. É tão over e artificial que o maquiador responsável merece demissão por justa causa.

Ainda que ao final haja uma aura de redenção no ar, com sacrifícios individuais em favor da salvação de uma maioria, Prometheus não é otimista, procurando tratar o ser humano a certa distância para revelar tanto sua faceta sonhadora que transforma a realidade quanto sua capacidade de autodestruição. Não é coincidência que um dos personagens que no início é apresentado como alguém lutando por uma causa nobre, venha depois a se revelar um egoísta capaz de mover uma nave apenas para tentar satisfazer uma necessidade nada coletiva.

Revisitar este filme é fundamental para poder entender melhor suas referências, que vão de Asimov e Lovecraft a 2001, de Kubrick, passando pelo livro Eram os Deuses Astronautas?, de Erich von Däniken. De filosofia, temos Nietzsche e até mesmo Sócrates. Afinal, “quanto mais aprendo, mais vejo que nada sei”. E por saber que nada sei, preciso de mais perguntas – claro que algumas delas são truques para fazer você voltar ao cinema daqui a dois anos e ver a continuação da franquia, o que não é de maneira alguma condenável. Enfim, podemos não ter descoberto exatamente a razão para a criação da humanidade, mas temos certeza o suficiente para poder dar uma ordem: Ridley Scott, você está proibido de fazer qualquer coisa que não seja ficção científica!

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