segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O tempo e as experiências traumáticas:

Um dia eu estava me equilibrando, andando pela parte superior de uma cerca, quando pisei em falso e caí. Tinha sido avisado que isso era perigoso, mas no auge dos meus 10 anos nada me parava. O passo em falso foi consequência de uma pequena distração, juntamente com uma sensação de super-confiança.

Errei o passo e caí. A queda foi incrivelmente lenta. Consegui entender o que havia ocorrido, percebi que poderia evitar o choque com a cerca usando um dos braços, mas logo percebi que já era tarde. Lembrei da Alice no País das Maravilhas caindo no buraco do coelho. Percebi a sensação de frio na barriga e liberdade igual à de mergulhar no mar à noite. Lembrei que talvez não errasse o passo se estivesse descalço e não com as famigeradas botas ortopédicas… Até que todos esses pensamentos culminaram num joelho bem ralado e numa vergonhosa dor.

Tudo isso aconteceu em menos de um segundo.

O que acontece com o cérebro nessas situações de extremo risco em que temos pensamentos que duram uma eternidade? Será que nosso cérebro conseguiria diminuir a velocidade do tempo ao lembrar de diversas coisas ao mesmo tempo? Neurocientistas americanos já haviam feito essas mesmas perguntas e tentaram, em vão, estudar o cérebro de pessoas durante passeios em montanhas-russas. Nunca deu certo. A razão é que essas sensações controladas não disparam a sensação de “vida ou morte” de situações reais.

Partiu-se para um outro tipo de aparato, proibido em alguns lugares dos EUA, conhecido como “scad dive”. O sistema é simples, funciona como um bungee jumping, mas sem o elástico. Você é suspenso por um elevador em uma torre e cai em queda livre de uma altura surreal sendo salvo por uma rede que você não vê, mas assume que vai estar lá.

Os participantes do estudo usaram um aparado no pulso conhecido como “cronômetro perceptual”. O aparelho é como um relógio que pisca números numa velocidade altíssima, sendo imperceptível ao olho humano em condições “normais”. A ideia seria medir a percepção do indivíduo em queda livre. A hipótese a ser testada era de que se a percepção do tempo fosse reduzida, a velocidade em que o número aparece na tela também seria reduzida. O participante poderia então “ler” o número nesse relógio. (Mais detalhes do experimento em Stetson e colegas, PLoS One, 2007.)

Infelizmente, nenhum participante conseguiu ler o número piscando no aparelho – indicando que nessas condições, a visão e o tempo subjetivo não são de fato alterados. No entanto, quando perguntados quanto tempo acharam que tiveram de queda livre, a média foi de 10 segundos. Na realidade, a queda não passou de 3 segundos. Isso indica que o tempo não parece reduzir de velocidade durante o evento, mas sim, depois do momento da queda.

A explicação parece estar na “memória” da experiência. Normalmente, nossa memória só guarda os principais pontos de um momento e detalhes triviais são descartados. Esse dispositivo nos auxilia a não armazenar coisas sem importância, mantendo nosso cérebro com capacidade para o que realmente importa. Por alguma razão, durante os momentos de vida ou morte, nossa memória consegue armazenar tudo que acontece: o vento, o carinha de camiseta azul que cruzou a rua, o passarinho, o cheiro da pipoca… Assim, ao se lembrar disso tudo, a impressão é de que o tempo se alterou, passando mais vagarosamente.

A subjetividade do tempo durante uma experiência traumática não é uma função da percepção, mas sim da lembrança. Uma memória rica em detalhes traz a impressão de que o evento durou mais tempo, mas sempre em retrospectiva. Ainda não sabemos como ou por que o cérebro faz isso, e não vai ser fácil descobrir. Seria bem joia se pudéssemos escolher quando e como ativar esse processo. Pensando bem, talvez isso fosse perigoso, principalmente se não conseguíssemos nos livrar do que escolhermos armazenar durante a vida.

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