Todo mundo – mesmo que só através dos desenhos do Zé Colmeia – já ouviu falar de hibernação. Animais de lugares com inverno muito rigoroso se recolhem durante a fase mais fria do ano e passam meses em uma espécie de sono muito parecido com o estado de coma.
Agora imagine a possibilidade de forçar um humano – ou qualquer outro animal que não exibe esse comportamento normalmente – a passar pelo mesmo fenômeno? A ficção científica já explorou a possibilidade diversas vezes, sempre com uma motivação diferente.
Enquanto em filmes como O Demolidor (“Demolition Man” – 1993) e Jason X (2002) a animação suspensa é utilizada com fins de impedir a convivência de criminosos com a população em geral, em filmes com viagens espaciais como cenário – Alien, o Oitavo Passageiro (Alien – 1979) e Avatar (2009) – a técnica serve para impedir o envelhecimento durante transportes interestelares.
Sem ar nem calor
O processo desenvolvido por Mark Roth no Fred Hutchinson Cancer Center – em Seattle, Estados Unidos – é fruto de observações e testes laboratoriais.
O pesquisador se inspirou em casos de sobreviventes de situações extremas: a garotinha canadense que apenas de fraldas engatinhou para fora de casa durante o inverno de 2001 e durante duas horas esteve em parada cardíaca, ou japonês que dormiu em uma montanha em 2006 e só foi ressuscitado da hipotermia resultante depois de 23 dias.
No laboratório, Roth experimentou primeiro com levedo de cerveja e vermes nemátodos. Em ambos os casos, o sucesso na ressuscitação – após o resfriamento – era maior quando, antes da queda de temperatura, o oxigênio era retirado do ambiente de testes.
Usando um gás encontrado em esgotos e resultante da decomposição de matéria orgânica – o sulfeto de hidrogênio –, a equipe do Hutchinson Center afirmou que uma das maneiras mais eficientes de evitar a morte por hipotermia é evitar que os processos normais do corpo, como a divisão celular, ocorram sob condições não ideais para esses eventos.
Como analogia, imagine que você tem um pãozinho e precisa dividi-lo em duas metades exatamente iguais. Com uma faca afiada, normalmente, isso é bem fácil, não é mesmo?
Agora pense em fazer o mesmo corte, com a faca igualmente afiada, porém a temperaturas baixíssimas, nas quais seu corpo inteiro treme – tanto a mão que maneja a faca quanto a que segura o pãozinho. A chance de algo sair errado – resultando em ferimentos – nesta segunda situação é muito grande.
Vidas em risco
Apesar das semelhanças com a ficção científica, a técnica de ressuscitação criogênica de Roth tem aplicações bastante reais. O objetivo maior é aumentar a chance de sobrevivência de envolvidos em acidentes graves e soldados com ferimentos letais.
Tiros, batidas de carro e uma infinidade de outros eventos trágicos podem causar lesões no corpo humano que – em casos extremos – podem drenar até 50% ou mais do sangue de uma pessoa. Nessa situação, o coração permanece funcionando por até dez minutos, e o cérebro começa a morrer em torno de dois minutos após o ferimento.
Esse tempo – muitas vezes – não é suficiente para a chegada do socorro médico, diminuindo drasticamente a chance de sobrevivência do indivíduo. Mesmo que os primeiros socorros sejam aplicados rapidamente, o transporte da pessoa até um hospital pode levar mais tempo do que o necessário para salvar uma vida.
Com a técnica de resfriamento anóxico – sem a presença de oxigênio – desenvolvida pelo americano, entretanto, espera-se que seja possível estabilizar a vítima até a chegada a um centro médico capaz de aplicar uma transfusão e impedir que mais sangue se perca, levando com ele a vida da pessoa.
Além de oferecer uma maior chance de sobrevivência para feridos, a técnica americana também pode permitir uma melhor conservação de órgãos para transplante, aumentando a margem de tempo entre a remoção e a cirurgia de instalação do órgão no paciente.
Em ambos os casos, para reverter o processo de animação suspensa basta fornecer – à pessoa ou ao órgão – oxigênio e calor. Vale lembrar que as temperaturas utilizadas por Roth em sua pesquisa não chegam ao ponto de congelamento, permitindo assim que sejam utilizadas mesmo em ambulâncias e outros veículos de transporte médico ou militar.
Morte e vida
Segundo o próprio Mark Roth, sua pesquisa – além de auxiliar na prevenção do falecimento acidental – também ajuda a desvendar um dos grandes mistérios da humanidade: a diferença entre a vida e a morte, também retratada no cinema em filmes como 21 Gramas (“21 grams” – 2003). Nas palavras do pesquisador, “a relação entre morte e vida tem realmente a ver com a ordem correta dessas relações celulares”.
Só se espera que este tipo de desenvolvimento médico, quando realmente aplicado no mundo real, não resulte no surgimento de uma ameaça zumbi como acontece em Resident Evil (2002).
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